Future-se é a senha para a privatização das universidades brasileiras

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A cada dia, o governo de extrema direita Bolsonaro promove um ataque à educação. Em seis meses cortou R$ 6,1 bilhões das universidades e institutos federais, ameaçando o funcionamento de alguns campi.

Em julho, enviou ao Congresso Nacional o programa Future-se, que tira a autonomia das universidades na gestão de seus recursos, nas decisões políticas que implicam diretamente nos rumos das universidades e abre as portas para que as instituições de direito privado passem a controlar as ações das universidades.

O que está por trás do Future-se é a privatização, a mercantilização da educação superior como um grande negócio para poucos ganharem dinheiro, destruindo o princípio básico que está na Constituição que é o da educação público de qualidade, gratuita e com autonomia universitária.

Neste espaço, o Sintfub traz resumo de três documentos: uma tese do professor Roberto Leher (UFRJ), intitulada Análise Preliminar do Future-se; e duas notas técnicas, sendo uma da consultoria do ANDES – Sindicato Nacional e outra dirigida ao Sintfub.

Os documentos apontam para a privatização do patrimônio das universidades, do fim do financiamento público da pesquisa e da produção do conhecimento para se aplicar as leis do mercado, com palavras chaves nos 45 Artigos do Future-se que levam ao patrocínio, patrocinador, aluguel, parceria, lucro e Organização Social.

Análise Preliminar do Future-se

Análise Preliminar do Future-se, de autoria do professor Roberto Leher (UFRJ) mostra que o Projeto de Lei Future-se é uma colcha de retalho, repleta de submarinos, com sérios retrocessos nas políticas científicas, tecnológicas e no setor de P&D, ao inviabilizar as políticas em curso que, naturalmente, precisam ser aperfeiçoadas.

No lugar de aperfeiçoar os descaminhos da P&D, aprofunda os seus problemas. As fundações de apoio credenciadas realizam a interveniência de 22 mil projetos de pesquisa que movimentam mais de R$ 5 bilhões3 e, conforme o PL, seriam preteridas em nome de OS escolhidas por critérios flexíveis, sem que possuam expertise necessária para a gestão de projetos

A leitura dos 45 Artigos permite concluir que o programa não segue um eixo geral ou busca trabalhar temas conexos ao que seria o fulcro da Ementa. Para o professor não é cientificamente adequado analisar um projeto de lei que institui um “programa” por meio da análise artigo-a-artigo para, ao final, fazer um balanço do tipo, os artigos x, y e z são positivos, os “a” e “b” são negativos, logo o projeto é mais positivo do que negativo.

Esse é um procedimento rudimentar que desconsidera as consequências sistêmicas de, em tese, um único artigo definir o rumo de uma dada política: cada artigo tem de ser haurido do corpus legal e do contexto econômico-político. É preciso condenar o Future-se assim como os efeitos da EC-95/2016, que congelou as verbas da educação e da saúde por 20 anos. O Future-se traz medidas de indução para que os Institutos e Universidades Federais tornem-se instituições inovadoras, integradas ao mercado capitalista dependente.

Além disso, denuncia Leher, o PL é abrangente. Modifica 16 leis, como as Leis nºs 8.010/1990, 8.032/1990, 8.313/1991, 8.248/1991, 9.249/1995, 9.250/1995, 9.394/1996, 9.532/1997, 9.637/1998, 9.991/2000, 10.735/2003, 10.973/2004, 11.196/2005, 12.550/2011, 12.772/2012, 13.243/2016.

Para o professor o projeto desconfigura o marco legal da educação superior (LDB), da ciência e tecnologia (importações, informática e automação, inovação tecnológica, marco legal), comercialização de energia elétrica, cultura (Pronac, lei de incentivo à cultura), de normas tributárias (imposto de renda, Lei do Bem, lucros auferido no exterior, regime especial de tributação para a plataforma de exportação de T.I.), organizações sociais (lei das OS, Projeto de Interesse Social), carreira do magistério do ensino superior, EBSERH.

Leher denuncia que o Future-se confronta a Constituição Federal ao instituir a “autonomia financeira” das universidades (Art. 1, Capítulo V, Arts. 22, 23 Seção IV), e acabar com a “autonomia de gestão financeira”

Ele elenca uma série de pontos permissivos às universidades, tais como a substituição das fundações de apoio por Organizações Sociais; novas formas de fomento das universidades por meio de fundos diversos advindos de isenções e incentivos tributários para as empresas e a alienação de imóveis, sob a tutela do Executivo; ampliação da inovação e a pesquisa e desenvolvimento nas universidades, atribuindo à estas instituições competências que pertencem às empresas; prerrogativa de universidades privadas de reconhecimento de títulos estrangeiros (Art. 22, Inciso II), alterando o Parágrafo 2 do Art. 48 da LDB2 que atribui o reconhecimento exclusivamente às universidades públicas, e operacionalização do comércio transfronteiriço de educação por meio da liberalização da oferta de disciplinas a distância; subordinação da CAPES aos marcos e à organização instaurada no FUTURE-SE, em matéria de “internacionalização” (Art. 20, Incisos II, III), esvaziando-a e desconsiderando os acordos estabelecidos entre esta e as universidades e IFs; descaracterização da dedicação exclusiva (Art. 18), a rigor, esvaziando o seu nexo com o conceito de universidade pública, estabelece o notório saber à revelia de toda discussão sobre a carreira docente (Art. 29) e cria condições para que docentes possam ser agentes em busca de lucros e benefícios pessoais, algo como um redirecionamento dos professores como empreendedores; modificação da destinação dos hospitais universitários vinculados à EBSERH, instaurando a dupla entrada de usuários, via SUS ou por meio de planos privados de saúde.

Enfim, ressalta o professor que o projeto menciona 32 vezes a palavra “inovação” e 21 a palavra “desenvolvimento”, mas na verdade impõe retrocessos nas políticas científicas, tecnológicas e no setor de P&D, ao inviabilizar as políticas em curso que, naturalmente, precisam ser aperfeiçoadas. No lugar de aperfeiçoar os descaminhos da P&D, aprofunda os seus problemas.

Considerações sobre o “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – FUTURE-SE”

Esta nota técnica do advogado Leandro Madureira Silva, da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES – Sindicato Nacional, denuncia que o Future-se trata-se de proposta formulada pela Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério da Educação (MEC), que além de prever uma legislação específica para o programa FUTURE-SE, altera ou regulamenta 17 (dezessete) outras leis do ordenamento jurídico brasileiro, incluindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Lei da Carreira do Magistério Federal, o Novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Lei da EBSERH, a Lei de Incentivo à Inovação e à Pesquisa Científica e Tecnológica, a Lei do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), a Lei do Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social (PIPS), a Lei que regulamenta os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, a Lei das Organizações Sociais, além de uma série de outras legislações de impacto tributário, como a lei do Imposto de Renda, do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados.

Aponta que o programa terá prazo de duração indeterminado e sua adesão será voluntária, na forma estabelecida em regulamento específico. Ao aderir ao FUTURE-SE, a IFES se compromete a utilizar a OS contratada para o suporte à execução do programa em seus três eixos, quais sejam: 1) Gestão, Governança e Empreendedorismo; 2) Pesquisa e inovação; e 3) Internacionalização.

Para a operacionalização do FUTURE-SE será celebrado um Contrato de Gestão firmado pela União e pela IFES com a Organização Social que, além do objeto, deverá estabelecer um Plano de Ação para os próximos 04 (quatro) anos do contrato, além de metas de desempenho, indicadores, prazos, sistemática de acompanhamento e avaliação de resultado, indicadores de qualidade e produtividade, dentre outros pontos.

No Programa, a Organização Social terá papel fundamental, já que ela deverá apoiar a execução das atividades vinculadas aos 3 eixos mencionados, apoiar a execução de planos de ensino, pesquisa e extensão das IFES, além de gerir os recursos do programa e auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis das IFES.

Segundo os termos do FUTURE-SE, as Organizações Sociais deverão criar órgãos de auditoria interna, vinculados ao Conselho de Administração das entidades, paralelamente aos órgãos de auditoria externa e de auditoria interna das próprias Instituições Federais. Já as IFES aderentes se comprometerão a utilizar a Organização Social contratada para o suporte à execução das atividades relacionadas aos eixos do programa, bem como adotar as diretrizes de governança definidas pelo Ministério da Educação. Entretanto, tais diretrizes só serão estabelecidas futuramente e há quem defenda que aderir ao FUTURE-SE é assinar um “cheque em branco”

A despeito de seu papel de destaque no FUTURE-SE, a OS não é um instituto desconhecido. Regulamentada pela Lei nº 9.637/1998, as Organizações Sociais constituem-se em uma Entidade com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades serão dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos na Lei, que serão assim qualificadas (ou acreditadas) pelo Poder Público.

No que se refere aos Eixos do Programa, nota-se que o FUTURE-SE pretende fazer das IFES verdadeiras unidades empresariais. Implementação de programas de gestão de risco corporativo, códigos de autorregulação do mercado, destinação de patrimônio aos fundos de investimento imobiliários, utilização de naming rights para bens públicos e a criação de Sociedades de Propósito Específicos – SPE traduz a real intenção do programa: privatizar as universidades, institutos e espaços públicos.

Mais do que isso, o projeto também se traduz em absoluta afronta ao artigo 207 da Constituição Federal, na medida em que a autonomia universitária será substituída por processos que objetivam, ao fim e ao cabo, o financiamento privado da educação pública e da pesquisa brasileira. Ora, que autonomia (didático-científica, administrativa e de gestão) será garantida às IFES se as receitas do Fundo da Autonomia Financeira são oriundas da sua comercialização e atuação junto ao mercado?

De certo, sabemos que o FUTURE-SE é confuso e complexo. Repleto de inconsistências jurídicas e tendente a vulnerabilizar a educação gratuita, a autonomia didático-pedagógica, administrativa e financeira, extinguir a extensão e tornar o concurso público forma excepcional de ingresso nas IFES, contará com um funding de R$ 102,6 bilhões de reais de recursos, que serão colocados à mercê da iniciativa privada. Sem qualquer projeção futura de que gerará retorno, o governo não apresentou um estudo econômico que detalhasse o impacto dos incentivos fiscais, da transferência patrimonial e do compartilhamento dos fundos constitucionais, que representam quase 100 bilhões desse total. A almejada sustentabilidade financeira é baseada na constituição de um fundo privado, para a realização de uma política de investimento que hoje já não apresenta resultados alvissareiros.

Na alteração do Plano de Cargos e da Carreira do Magistério Federal instituído pela Lei nº 12.772/2016, passa-se a prever a retribuição pecuniária pela participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente ou do registro decorrente de invenção, aperfeiçoamento ou modelo de utilidade e desenho industrial será admitida no regime de dedicação exclusiva, o que vem para estimular a adesão dos docentes e das IFES a esse projeto. Porém, não se pode analisar esse ponto destacado do programa em si, já que ele também contempla que a exploração de direitos de propriedade intelectual fará parte das receitas constitutivas do Fundo de Autonomia Financeira das IFES.

Ademais, o projeto destaca que os eventuais valores destinados aos docentes não se incorporarão a sua remuneração, tampouco terão repercussão para efeitos previdenciários, o que sinaliza que a mercantilização das IFES visa atender, precipuamente, os interesses das Organizações Sociais.

Do Projeto de Lei que materializa o FUTURE-SE

Nesta outra Nota Técnica, a WAA/SM n. 10/2019, de autoria de Leandro Madureira Silva, também advogado da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES – Sindicato Nacional, o Future-se é analisado pela gestão, governança e empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento e inovação, internacionalização, comitê gestor e fundo de autonomia financeira. O documento aponta que o programa Future-se é uma grande farsa, um grande negócio para poucos ganharem muito dinheiro.

Nos termos da minuta de PL, o FUTURE-SE é programa com prazo de duração indeterminado que “tem por finalidade o fortalecimento da autonomia administrativa e financeira das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES, por meio de parceria com organizações sociais e do fomento à captação de recursos próprios” (art. 1º), estando dividido em três eixos: a) gestão, governança e empreendedorismo; b) pesquisa e inovação; e c) internacionalização.

A participação das instituições federais de ensino superior – IFEs se dará mediante adesão, através da qual as mesmas se comprometem a utilizar a organização social – OS contratada para o suporte à execução de atividades relacionadas aos eixos acima descritos, a adotar as diretrizes de governança previstas na lei, bem como programa de integridade, mapeamento e gestão de riscos corporativos, controle interno e auditoria externa.

A organização social contratada deverá, além de apoiar a execução das atividades previstas nos três eixos do programa, apoiar a execução de planos de ensino, extensão e pesquisa da IFE – apoio este que pode se dar por meio de centros de serviços compartilhados –, gerir os recursos relativos a investimentos em empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento e inovação e auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis da IFE, além de exercer outras atividades inerentes às suas finalidades.

As IFES podem ceder, à OS contratada, servidores titulares de cargos efetivos que exerçam atividades relacionadas ao contrato de gestão, situação na qual caberá à segunda o ônus pela remuneração do servidor. Não será incorporada à remuneração de origem deste qualquer vantagem adicional que venha a ser paga pela organização social. Há autorização, ainda, para que os servidores das IFES participem nas atividades realizadas pelas organizações sociais nas finalidades vinculadas ao FUTURE-SE, desde que cumpram sua carga horária mínima de aulas.

No tocante à governança, a minuta prevê que as IFES deverão implementar e manter mecanismos, instâncias e práticas a partir das diretrizes que elenca, as quais contemplam o direcionamento das ações para a busca de resultados para a unidade acadêmica e para a sociedade, a simplificação administrativa, a incorporação de padrões elevados de conduta, a implementação de programas de integridade e gestão de riscos corporativos, a adesão a códigos de autorregulação reconhecidos pelo mercado, a promoção de comunicação aberta, de modo a garantir o acesso público à informação, e a avaliação da satisfação dos alunos com professores e disciplinas.

A minuta de PL prevê que a organização social contratada deverá buscar a implementação da Lei n. 13.243/2016, aumentando a interação com o setor empresarial, bem como aprimorar as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação de nível nacional e internacional, potencializar e difundir o papel das IFES nas atividades de cooperação com os setores público e privado, atrair a instalação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação nas IFES e fortalecer os núcleos de inovação tecnológica, facilitar a realização de projetos de pesquisa e desenvolvimento com universidades estrangeiras, incluindo projetos que incluam empresas brasileiras e estrangeiras, e promover interação entre empresas e IFES.

Em seguida, há a previsão de que o professor em regime de dedicação exclusiva poderá exercer, em caráter eventual, atividade remunerada de pesquisa, desenvolvimento e inovação na organização social contratada e participar da execução de projeto aprovado ou custeado com recursos previstos na lei, desde que cumpra sua carga horária de aulas. Nessa situação, a remuneração recebida é de natureza privada e não integra a remuneração do cargo para nenhum fim, não gerando efeitos previdenciários, aplicando-se a mesma regra caso o docente seja premiado por projetos desenvolvidos a partir da parceria.

Há previsão de que caberá às IFES, conjuntamente com as organizações sociais contratadas, fomentar a realização de cursos de idiomas para os docentes, por meio de parcerias com instituições privadas, para promover a publicação em periódicos no exterior; o intercâmbio entre universidades nacionais e internacionais, trazendo para as universidades brasileiras professores estrangeiros renomados para dar aulas; a oferta de bolsas em instituições estrangeiras; e ações de premiação de alunos que possuam elevadas notas e ocupem posição de destaque intelectual entre os colegas, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação, e que não tenham indicativo de desabono de sua conduta.

Por fim, ato do Poder Executivo disciplinará a política de internacionalização de conhecimento, assegurando o fluxo contínuo de intercâmbio de professores, fomentando a pesquisa e uma melhor colocação nos índices e rankings internacionais, facilitando o reconhecimento de diplomas estrangeiros em instituições de ensino públicas ou privadas com alto desempenho reconhecidas pelo MEC, e a acreditação de disciplinas cursadas em plataformas tecnológicas ofertadas por instituições de excelência no exterior.

Documentos:

Mauro Menezes e Advogados 

Wagner Advogados Associados

 

Por Camila Piacesi

admin

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